sábado, 8 de dezembro de 2018

 O mais importante é o decidir 


“Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice.

E digo pra você, não pense.

Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo.

Eu não digo que estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco.

É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.

Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.

O bom é produzir sempre e não dormir de dia.

Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.

Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.

Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa.

Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica.

Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!

Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as
 idades, mas não sei se sou velha, não. Você acha que eu sou?

Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser filha dessa abençoada terra de Goiás.

Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.

Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.

Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria 
personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.

Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.

Digo o que penso, com esperança.

Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor.

Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.

Mesmo quando 
tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”

Cora Coralina

Decadência

A decadência é o caminho natural de todas as coisas. Tudo tem o seu apogeu e depois o declínio. As plantas brotam, crescem, florescem e mor­rem. Em algumas espécies, a decadência é mais dolorosa do que em outras. É o caso das plantas carnívoras, por exemplo, que no fim da vida só conse­guem se animar diante de um prato de mingau. Até os mecanismos cansam e decaem. É conhecida a história do famoso relógio municipal de Bong, na Baviera, durante muitos anos considerado uma das maravilhas do engenho humano. Situado na praça central da cidade, o relógio tem um imenso mos­trador com ponteiros de ferro trabalhado. Embaixo do mostrador há duas portas. De hora em hora uma das portas se abria e aparecia a réplica perfei­ta de uma camponesa, em tamanho natural, com um balde na mão. Pela outra porta saía a réplica perfeita de uma vaca. Quando a vaca e a campone-­sa se encontravam, a camponesa inclinava-se para ordenhar a vaca. Neste instante, pela mesma porta da qual saíra a vaca, aparecia um camponês que se aproximava da camponesa por trás e lhe dava um belis­cão Com o susto, a camponesa dava um puxão mais violento no ubre da vaca, que dava um chute para trás, acertando um sino, que assim anunciava a hora. Juntava gente na praça e as pessoas vinham de longe só para ver o relógio de Bong. O mecanismo foi se desgastando com o tempo, no entanto, e hoje se tornou imprevisível. Às vezes uma das portas não abre e a camponesa não aparece. A vaca sai e, um pouco depois, sai o camponês. O camponês dá um beliscão na vaca, que chuta para trás e erra o sino. Um funcionário da Prefeitura, de sobreaviso, sai e bate no sino, tendo que se cuidar para não levar um belis­cão do camponês. Às vezes só aparece a camponesa, que se inclina e fica ordenhando o ar. O funcionário então tem que sair, bater no sino, colocar a camponesa de volta na posição vertical e depois empurrá-la para dentro. Já aconteceu de a vaca sair de surpresa, pegar o funcionário por trás e quase fazê-lo voar. Outra vez foi o camponês que saiu depressa demais, desprendeu-se do chão, voou por cima da camponesa e da vaca e entrou pela janela da Prefeitura no outro lado da praça, interrompendo uma sessão do conse­lho municipal. O resultado é que, dois minutos antes de cada hora, toca uma sirene em Bong anunciando que o mecanismo do relógio vai ser acio­nado e que todos devem sair da praça e procurar abrigo, pois a qualquer momento a vaca também pode voar, com conseqüências trágicas.

Um conto de Luís Fernando Veríssimo no livro "O Analista de Bagé"

sábado, 1 de dezembro de 2018

         

                   Carregue apenas o necessário e importante


          Certa vez um viajante deparou com um rio que seria necessário atravessar. Como não havia ponte, ele mesmo cortou troncos de árvores e construiu uma balsa perfeita. Chegando à outra margem, sentiu-se tão apegado à balsa que não teve coragem de abandoná-la. E, assim, carregando-a nos ombros, reiniciou a travessia do bosque. A balsa pesava-lhe sobre os ombros. A balsa que antes tinha sido uma solução, agora se transformara num problema. 
          Muitas vezes a solução de ontem torna-se o problema de hoje.